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Acerca do habilidoso Tomás

henrique bonaça opinião
Da malta toda, o que dava mais toquezinhos com a bola era o Tomás. No que diz respeito a toques na bola, ninguém na vila lhe fazia sombra. Nem na Bica, nem nas Hortas, nem no Bairro Operário, nem no Bairro da Caixa, nem tampouco no Bairro da Lata. Ele era um prodigioso malabarista com a borracha. Fosse com os pés, fosse com as mãos. Um fenómeno do outro mundo. Só vendo!

Crónicas do Largo da Bica

Da malta toda, o que dava mais toquezinhos com a bola era o Tomás. No que diz respeito a toques na bola, ninguém na vila lhe fazia sombra. Nem na Bica, nem nas Hortas, nem no Bairro Operário, nem no Bairro da Caixa, nem tampouco no Bairro da Lata. Ele era um prodigioso malabarista com a borracha. Fosse com os pés, fosse com as mãos. Um fenómeno do outro mundo. Só vendo!

Eu não era dos piores da Bica. Desenrascava-me mais ou menos com 343 toques de bola no pé direito, de seguidinha, sem a deixar cair no chão. Nunca mais consegui bater esse record pessoal. Tentei durante anos. Quando me aproximava desse incrível número, antes de lá chegar, não aguentava mais: a perna de apoio fraquejava-me. A cada toque que dava, a coxa doía-me cada vez mais e o pé respectivo agarrava-se teimosamente às pedras da calçada. Por fim, apesar da minha vontade, da minha resistência, faltavam-me as forças e a bola escapava-se-me. À socapa, antes de ela cair, tentava apoiar-me a uma parede com a pontinha dos dedos mas, os gajos estavam atentos. Diziam logo que assim era batota e que não valia!

A seguir vinha o Fausto com 424 toques. Um feito assinalável. Não é para todos. Quem jogou à bola quando era miúdo saberá reconhecer-lhe o mérito. Quando ele estabeleceu o seu fabuloso record, houve um invejoso que reclamou da sua validade. Isto porque ao toque 127, por uma insignificante fracção de segundo, a bola escapou-se-lhe do pé, batendo de raspão na parede da casa do Chico, irmão da Esmália e da Carminda da Rua Estreita. De facto, foi verdade que a bola bateu na parede mas, incrivelmente, esticando-se quase até rasgar a virilha, com a ponta do sapato, ele recuperou o controlo da bola que parecia mesmo ir cair ao chão. Apesar dessa miserável reclamação ciumenta o record foi registado e aceite.

Mas, voltando ao Tomás, em toquezinhos, ele estava a um nível diferente. O record dele de 4.784 só não tinha outra expressão porque a malta, já cansada de tanto toque, ia-se embora para casa. Sem registo visual não havia reconhecimento. Era melhor ler um livrinho do Major Alvega ou um outro qualquer de cobóis do que estar ali a olhar para uma bola que parecia fazer parte integrante do pé.

O segredo do Tomás era muito simples. Dava toques com os dois pés. Quando chegava aos quatrocentos, mudava de pé de apoio. Não se cansava nunca. Os toques não eram toques, eram toquezinhos. A bola mal subia, sendo mínimo o risco de perda do controlo da situação. Até parecia que estava atada ao pé com um elástico. Com domínio absoluto da técnica usada para os toques, entusiasmava-se e dificilmente parava. Dava para comer sandes de chouriço enquanto dava toques na bola.

Uma tarde, já saturados, perguntámos-lhe em quantos ia. Ele mudou de pé de apoio, limpou o suor da testa com as costas da mão, e, sem se desconcentrar, respondeu: “vai em 2.345,6,7,8…”. Fomos para casa lanchar. Ao voltarmos, ainda ele dava toques.

A rodar a bola na ponta dos dedos como fazem os jogadores de basquetebol, o Tomás também era o melhor. Começava no dedo indicador da mão direita. Quando a bola perdia velocidade, com a mão esquerda empurrava as orelhas da bola e, mudava de dedo. Ia para o polegar, voltava ao indicador, depois ao do meio, ao anelar, ao mindinho, a todos. Aquilo nunca mais acabava. Só mesmo o Tomás!

Contudo, o que eu mais apreciava nele era o seu fino sentido de humor e a sua capacidade para inventar e contar estórias.

Costumava dizer-nos que os dedos da mão eram os nossos ministros: o dedo polegar seria o ministro dos transportes por ser utilizado para pedir boleia; o dedo indicador seria o das obras públicas porque com ele se limpa o nariz; o dedo médio seria o da guerra porque quando se dá uma bofetada, ele vai à frente; o dedo anelar seria o das finanças por ser aquele onde se usam os anéis; o dedo mindinho seria o ministro do interior por ser com ele que se verifica se a galinha tem ovo.

Se visse um carreiro de formigas pretas, dizia que elas iam para um funeral. A partir daí inventava uma qualquer estória em que falava da formiga. Coitada, morrera num terrível acidente, que alguém a pisara sem querer, que tinha sido muito trabalhadora, que tivera muitas amigas.

Se as formigas transportassem algum alimento para o ninho, dizia que era uma procissão. A estória desenvolvia-se e ficávamos a saber que a formiga da frente era o padre, as outras carregavam os andores.

Ao meu grande amigo Tomás Rita da Rua Estreita, portanto, do Largo da Bica com todos os direitos, um autêntico portento de imaginação e de habilidade com a bola!

Henrique Bonança

Altura – Fevereiro de 2018

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Henrique Bonança

Henrique Bonança, é vila-realense, tem 59 anos de idade, uma filha e um filho, uma neta e um neto, profissional de seguros na pré-reforma, técnico comercial na Companhia de Seguros Império e técnico de formação na Companhia de Seguros Fidelidade, em áreas técnicas de seguros ou de vendas e área comportamental.
O gosto pela leitura e pela escrita surgiu muito precocemente, todavia, só a partir de 2009 algum do trabalho de escrita realizado é partilhado com a edição de um livro patrocinado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António: “Peidinhos-de-Velha”; seguindo-se a publicação de dois outros em pequeníssimas edições de autor através da Editora do Guadiana: “O Bando do Largo da Bica e a Invasão das Lagartas” (2010) e o “Bando do Largo da Bica e o Resgate do Guardião Branco” (2011).
A partir de finais de 2017 foi posto em marcha um projecto pessoal de publicação e partilha no perfil particular de “Facebook” de crónicas que abordam diferentes temáticas, como sejam: Crónicas Avulsas, Crónicas do Largo da Bica, Crónicas de Um Tempo Já Vivido, Crónicas de Garfo e Faca, Crónicas de um Recruta e Crónicas de Angola, que representam um já expressivo número de cerca de 140 textos divulgados a ritmo semanal, salvo algumas excepções pontuais.
Com a aceitação imediata do simpático e honroso convite do responsável do guadianadigital.com para colaborar com o “site”, inicia-se agora uma relação que se espera perdure no tempo, correspondendo por inteiro às expectativas e, deste modo, agradar aos leitores e seguidores deste jornal digital. Henrique Bonança VRSA – 31 de Dezembro de 2010

Breves – País

ACTEP pede mais atenção ao turismo chinês

O presidente da Associação do Turismo Chinês em Portugal (ACTEP) considera que Macau “tem um papel fundamental na relação turística entre os dois países e é uma clara vantagem para Portugal na atração de turistas chineses, quando comparado com outros países europeus”.

Young Liang defende que Macau é “um extraordinário destino como também um ponto de partida para os turistas portugueses explorarem a China Continental, em particular a região do delta do Rio das Pérolas, Macau é ao mesmo tempo um eficaz veículo de promoção de Portugal no mercado chinês”.

visto em TNEWS

Breves – Mundo

Nas ruas de Paris, a fúria popular ouve-se alto e bom som.

Milhares de pessoas concentram-se na Praça da Concórdia, perto da Assembleia Nacional, em protesto contra a reforma do sistema de pensões e o mentor: Emmanuel Macron.

O presidente francês conseguiu a aprovação do polémico projeto-lei que aumenta dos 62 para 64 anos a idade de reforma. Sem maioria garantida na câmara baixa do Parlamento, o Governo da primeira-ministra Elisabeth Borne optou por não levar a lei a votos, forçar, antes a aprovação através do artigo 49.3 da Constituição francesa. Constituição. Na prática, contempla a possibilidade de se aprovarem leis sem que estas sejam votadas.

Um ultraje para várias forças da oposição que já acenaram com moções de censura. Enquanto isso, os sindicatos apelaram a protestos ainda mais musculados para os próximos dias, num braço-de-ferro que promete durar e abalar o executivo. /EURONEWS

Amaranta Cano presta homenagem a Aurora Murta – Foto de Zeca Romão

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